Dani nasceu na Bahia, descendente de imigrantes e de perseguidos pela ditadura; teve dois casamentos e uma dúzia de trabalhos diferentes, antes de estudar na Etec e buscar uma profissão
Danielle Cristina Alves Martinez Fernandez, estudante de Segurança do Trabalho e intercambista, com a mãe e a filha | Foto: Divulgação
Ela prefere ser chamada só de Dani, mas carrega no nome o peso de muita história. O avô materno era José Inocêncio Pereira Alves, um dos primeiros presos políticos da ditadura militar brasileira. Morreu em 1968, em decorrência das torturas sofridas. “Minha avó ficou sozinha com oito filhos, e nem podia reabrir a mercearia que os sustentava, por medo da repressão”, conta Danielle Cristina Alves Martinez Fernandez, sobrenome que só ficou completo muito tempo depois.
Martinez e Fernandez são herança do avô paterno, o herói da guerra civil espanhola nos anos 1930, que montou no Brasil a maior fábrica de móveis do Norte e Nordeste. O filho Raimundo, se tornou advogado e escritior, com dois livros publicados.
“Minha mãe, Sônia, atuava como recepcionista no escritório de advocacia em que meu pai trabalhava. Tiveram um namoro rápido, ela engravidou, mas ele não me reconheceu como filha até fazermos o teste de DNA, quando eu já estava com 21 anos”, conta.
Raimundo mudou-se para o Rio de Janeiro, Sônia foi a São Paulo, em busca de melhores oportunidades. Dani ficou na Bahia sob os cuidados de uma tia, que tinha três filhos homens e sentia falta de uma menina. “Era uma vida simples, mas uma infância feliz, apesar do preconceito que sofria por ter sido deixada. Mais tarde fui obrigada a vir morar com minha mãe em São Paulo e piorou muito”.
Vida em São Paulo
Antes de completar sete anos, Dani ficou responsável por cuidar do irmão caçula, enquanto a mãe trabalhava o dia todo. Abandonou os estudos algumas vezes, antes de sair de casa em definitivo, aos 15 anos. “Fui morar em uma pensão e me casei com um dependente químico. Me separei e tive minha filha, aos 18 anos”.
Para colocar comida na mesa trabalhou como vendedora de livros, de produtos para informática e de roupas. Atuou ainda como recepcionista em prédio comercial e residencial, como ajudante de tesouraria e operadora de caixa. “Fiz tantas coisas que nem lembro mais! Só quando minha filha já estava adulta consegui voltar a estudar em um supletivo. Cheguei a entrar na faculdade de arquitetura, mas não pude pagar e tranquei”, diz.
Foi a Vitória, formada em Hotelaria, que incentivou a mãe a prestar o Vestibulinho para a Escola Técnica Estadual (Etec). Aos 43 anos, Dani começou o curso técnico em Segurança do Trabalho, na Etec Profª Drª Doroti Quiomi Kanashiro Toyohara, em Pirituba, na Capital.
De volta à escola
“Eu achei que só iria encontrar jovens, tinha receio de ser a mais velha da classe, mas fui muito bem recebida. Eu estudava de madrugada e chegava a chorar de cansaço, mas tudo valeu a pena”, lembra Dani. A estudante dedicou-se tanto que foi selecionada para a turma do Intercâmbio Cultural do Centro Paula Souza (CPS) em 2024. Passou um mês em Londres, na Inglaterra, estudando inglês, conhecendo pessoas e culturas. Volta com a certeza de que o melhor da vida está só começando.
“Que experiência fantástica, que lugar incrível, que vivências maravilhosas! Espero que muitos se inspirem em seguir tentando e acreditem no seu potencial. Nunca é tarde para seguir atrás de um sonho”, ressalta.